GALIZA, COMO EUROPA por Vintilă Horia Iucal
“Espanha e outros mundos” Ed. Plaza&Janés, Barcelona 1970 Págs. 31-34
Escuitando cair a chúvia, cantando dende as goteiras antigas de Santa Maria a Real de Osseira, passando como cortinas fantasmais e como saias da aurora boreal por cima das fachadas ilustres da praça do Obradoiro, de Compostela; martelando as folhas das altas camélias do pátio do mosteiro dos mercedários de Poio, dim-me conta de que a chave de Europa esteja cecais nos dous pontos extremos e menos conconhecidos de Europa: Rumania e Galiza. Dizer que os dous foram unidos pola linha migratória dos visigodos, os quais passarom quase dous séculos na Dácia trajana; que Santo Vintila Solitório (soterrado em Punxim, perto de Ourense) é um santo galego de nome rumano, que os celtas deixarom pegadas na toponímia e na raça destes dous límites do nosso mundo e continente, resulta conhecidíssimo, mas há que voltar a dizer certas cousas para que a ideia da nossa unidade se torne realidade em marcha.
Cheguei dumha viagem à Galiza e de descobrir, como depois dumha pesca milagreira, os baixos fundos da nossa existência europeia, e parece-me que ninguém pode falar de Europa, tratar de sintetizá-la dalgum jeito e de fazá-la habitável para um só povo, sem estar em Compostela, em Ponte Vedra, na ria de Vigo (que deve de ter inspirado aos paisagistas flamencos, sedentos de mares azuis e de montanha espelhando-se no oceano), em Osseira e noutros sítios menos conhecidos, mas imbuidos de mágia étnica, de poesia ancestral e de rumbos futuristas. O nome mesmo da Galiza indica umha antiguidade que representa no fundo toda umha época pre-rromânica e pre-helênica, por cima da qual nom se pode conceber nem Europa nem o que somos todos; quero dizer, os povos da Europa de hoje e a maneira de ser de todos os povos do mundo em trance de voltar-se europeus.
No povo de Santo Salvador de Poio, nom longe do famoso mosteiro, vim umhas ruinas às que a gente chama ainda “a casa de Colombo”. Segundo umha tradiçom local, estourada logo por vários historiadores de Ponte Vedra, Cristobo Colombo nasceu ali e o seu apelido sobrevive ainda naquele lar. Feitos da epopeia colombina venhem a apoiar esta tradiçom. Em efeito, o descobridor de América deu o nome do seu povo (Santo Salvador) à primeira terra ocidental que vislumbrou mais aló das augas e foi a Galiza onde enviou à "Pinta" para anunciar aos seus o descobrimento da nova terra. Como é sabido, o primeiro povo do mundo a cujo porto chegou a nova de que o oceano nom rematava num abismo, senom num novo mundo terrenal, foi Baiona, perto de Vigo.
Mas esta justificaçom galega do descobrimento é menos importante que a sua hispanidade em geral; quero dizer que a sua posibilidade engendradora de europeidade. Hispânia fizo possível o descobrimento de América por cima da nacionalidade originária de Colombo. Este puido ser genovês, grego ou galego; a suas vinculaçons administrativas interessam hoje menos que a façanha em si. Importante é o facto de que Galiza, como terra de navegantes, esteja também, junto a Génova, em plena mitologia colombina.
Pola janela da biblioteca do convento viam-se as augas da ria e a chúvia caindo sobor os eucaliptos. Alguem, ao meu lado, dizo-me: “Ali vinham a invernar as naves dos vikingos”. Deseguido imaginei-me a aquela gente do Norte, durmindo e comendo nas suas casas itinerantes e fedorentos, cercado pelo ódio e o medo, como umhas alimárias perigosas. Abandonavam aos seus familiares na neve e frio do septentrióm, e vinham aqui a gozar o sol e a calor de Janeiro, mentres os pescadores das costas –celtas romanizados, mesturados com visigodos e com algúm dácio da minha terra- vigilavam dia e noite as embarcaçons ancoradas no médio da ria. Porque o dia no que rematavam a sua cerveja e a sua carne, os vikingos iam à terra na procura de comida e vinho, de lenha para os seus lumes, de mulheres para as suas noites solitárias. E entom acendiam-se nas praias e nos bosques o rumor da antiga sangria humana. “Era da alta noite- o som perpétuo”, como dize nos seus versos de paixom galega o poeta Ramón González Alegre. Cecais algum daqueles bárbaros emprendera um dia, vistindo-se de peregrino, o Caminho de Santiago, atraiçoando aos seus, beneficiando à Humanidade. Na realidade, os vikingos desaparecerom nos Evangelhos como umhas embarcaçons diminutas polos meandros de bosque e auga das rias baixas.
Na minha vida vim um conjunto mais impresionante, mais evocador de mistérios e de tempo carcomido por si mesmo, como em Osseira. O mosteiro está situado no fundo dum val, ao lado dum povo pequeno, como colgado entre pedras e nubes. O conjunto arquitectônico é majestoso, talhada a nave da igreja em românico puro, a fachada da mesma e a do convento em plateresco vegetal, prefiguraçom do barroco. Aquele grande conjunto semelhava abandonado. Os vidros das janelas estavam rotos, caidos os balcons, molhadas as torres verdes de musgo. Mas entrei, e desde o gris escuro e acuático da pedra exterior atopei-me de súpeto no calor apaixonado da misa, cantada em latím por um coro de monges invisíveis e oficiada por dous sacerdotes vestidos de branco e que semelhavam dous anjos movemdo-se no médio dumha luz sobrenatural que envolvia o altar. Era como se nom tocaram terra. Quando diziam: Dominus vobiscum, e no coro respostava: et com espiritu tuo, sentia atopar-me em Asis, mais longe cecais no tempo, como desprendido do espaço, liberado por aquela misa maravilhosa dita no seu idioma originário, deixando ao fiel a liberdade de orar, de arrepender-se, de adorar, que a misa perfeitamente entendida, dita no idioma dum, permite menos, porque impom umha participaçom permanente e coletiva. Dende fora chegaba o ruido sem cesar da chúvia e a igreja semelhava como envolta numha capa de auga, como umha campã de exploraçom submarina. Um só instante, um raio de sol venceu as nubes e posou-se numha parede, logo fora tragado pola masa marinha prendida nos aires. Trás minha soarom as botas com solas de cravos dalgúm pastor dos arredores, e naquel recuncho da Galiza, na sombra daquela igreja atormentada por umha chúvia que se me antojava eterna, nom havia mais que aquele desconhecido, a minha mulher e eu, de geonlhos perante o mistério maior, mentres o coro susurrava em latín o seu cántico de graça e de glória, como contradizendo docemente a melodia exterior da Natureza, com o só repetir das palavras sagradas.
Eu nom sei o que passou em Osseira, nem quem edificou aquele templo gigantesco, nem que reis o visitarom, nem por que jace quase abandonado no meio das castinheiras e dos prados. Nom sei nada acerca desta maestria criada e afogada pela História, porque quando saim e toquei a campã da entrada era ja hora proibida e ninguem saiu para contar-mo. E foi melhor assim, porque nunca vim tanta imensidade de pedra labrada no meio de tanta soidade e chúvia, e porque nunca atopei numha igreja tam soa e tam havitada polo sopro do espírito como na desconhecida profundidade de Osseira.
Na rústica taberna campesinha onde comeramos, melhor que no melhor restaurante de Paris, decatei-me de que Europa é antes que todo misterio de igrejas e conventos e que detrás deles –como em Chartres, Asis, Compostela, Osseira e tantos outros- está como soterrada desde séculos, lista para resurgir, o alma antiga da nossa nova Pátria, esta Europa esculpida em antiguidades que formam como un laço de uniom vivente entre o que desgarradamente somos e o que fumos em som de unidade sem sabé-lo.
Sala capitular de Osseira, sala das Palmeiras…”Obra alquímica”
Nota: este texto foi “rescatado” no Mosteiro de Oseira el 24.04.10
É evidente que o autor desconhece que o Reino da Gallaecia de Dinastia Visigoda, foi antes disso por quase 200 anos, de Dinastia Sueva.
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